[Crítica] Fullmetal Alchemist (2017)


Este artigo contem spoilers!

Pois é meus caros leitores que ainda insistem em acompanhar este blog mequetrefe, tentando cumprir uma média de um artigo a cada três meses (ao menos é o que a minha vida me permite no momento), hoje trago um artigo totalmente inédito para vocês.

Embora o tema já venha com alguns meses de atraso, o texto de hoje será uma tentativa crítica a adaptação em Live Action de Fullmetal Alchemist, lançada no ano passado nos cinemas japoneses e disponibilizada para o público ocidental pelo Netflix em Fevereiro deste ano. Sem mais delongas, vamos ao que interessa. ;)


Idealizado pela mangaká Hiromu Arakawa, Fullmetall Alchemist nasceu nas páginas da Monthly Shonen Gangan, uma espécie de “Shonen Jump” da Square-Enix. E como todo acontece com quase todo manga de sucesso no Japão, não tardou para que a obra invadisse outras mídias como a TV, cinema e videogames. Ao todo, o mangá recebeu duas adaptações em série animada – Fullmetal Alchemist (2003 - 2004) e Fullmetal Alchemist: Brotherhood (2009 - 2010) - dois longas animados exibidos em cinema - Fullmetal Alchemist the Movie: Conqueror of Shamballa (Gekijōban Hagane no Renkinjutsushi: Shanbara o Yuku Mono, 2005) Fullmetal Alchemist: The Sacred Star of Milos (Renkinjutsushi: Mirosu no Sei-naru Hoshi, 2011) - cinco jogos para videogames (sendo três RPGs produzidos pela própria Square-Enix) e mais uma porção de produtos licenciados (como CDs de música, action figures, cereais...mangas hentai e por ai vai).

Com a finalização do mangá em 2010 e a exibição do segundo longa animado no ano seguinte, tudo levava a crer que não veríamos tão cedo algo de novo com a franquia. Eis que após um hiato de quase cinco anos, a divisão japonesa da Warner Bros. anunciou que a Fullmetal Alchemist estrelaria um novo longa-metragem, só que dessa vez em Live Action. Além disso, a produção contaria com Fumihiko Sori na direção, Ryosuke Yamada no papel de Edward Elric e um Alphonse Elric criado totalmente em CGI.

Como fã da saga dos irmãos Elric, obviamente fiquei muito empolgado com a ideia inicialmente. Entretanto, conforme o tempo foi passando e novas informações foram chegando (como a de que o filme iria recontar a história do mangá), a empolgação deu lugar a uma série de questionamentos. Fumihiko Sori conseguirá equilibrar humor e o drama presente na história original em sua adaptação? Os efeitos visuais conseguiram fazer uma versão totalmente crível de Alphonse? Ryosuke convencerá como Edward Elric?

E claro, a mais importante de todas: teremos uma adaptação no nível de Samurai X: O Filme (Rurouni Kenshin: Meiji kenkaku Roman Tan, 2012)...ou de Death Note (2017) que fiz questão de não assistir feito pelo Netflix?

"Não fique decepcionado,irmão. Nosso filme conseguiu ser melhor que Dragonball Evolution."
Seguindo os passos da obra original, a adaptação apresenta ao espectador um mundo onde a alquimia está presente na vida das pessoas. Através de um Círculo de Transmutação (desenhado no chão ou até mesmo em uma luva de pano) e da Lei da Troca Equivalente (para se ganhar alguma coisa, é necessário sacrificar alguma outra coisa do mesmo valor), um alquimista é capaz de realizar grandes feitos. Entretanto, dentro da alquimia há apenas uma única proibição: a Transmutação Humana. E é aqui que entra os protagonistas da história.

Quando crianças, Edward e Alphonse executaram uma transmutação humana com a finalidade de ressuscitar a mãe falecida. O procedimento não só falha miseravelmente como acaba custando o corpo de Alphonse e a perna esquerda de Edward. Em um momento de desespero, Ed executa uma nova transmutação humana para salvar a alma de seu irmão. Ele consegue fixar a alma de Al em uma armadura, mas isso acaba lhe custando o seu braço direito.

Na busca para recuperar os seus corpos, os irmãos Elric iniciam uma jornada em busca pela Pedra Filosofal do Harry Potter, um artefato que permitiria uma transmutação sem as restrições da Lei da Troca Equivalente. Com a finalidade de ter mais recursos em sua busca, Ed se transforma em um alquimista do exército. Com próteses mecânicas (automails) no braço direito e perna esquerda e com a capacidade de realizar alquimia sem círculos de transmutação (dom que acabou recebendo durante a fatídica transmutação humana), Ed agora é conhecido pelas pessoas como o Alquimista de Aço (Fullmetal Alchemist).

Visualmente, o trabalho de adaptação é extremamente competente. Filmado no interior da Itália, a ambientação consegue retratar com fidelidade o clima europeu do início do século XIX da obra de Arakawa. A caracterização e figurino dos personagens de uma maneira geral é bastante fiel o que se vê no anime/manga (Capitão Hughes e Lust, por exemplo, parecem ter saído diretamente das páginas dos quadrinhos).  As únicas exceções são Winry Rockbell (que aqui não possui as suas madeixas loiras) e Shou Tucker (que aqui possui cabelo demais :P), mas nada que comprometa.

"Vejo que a minha peruca ficou mais convincente que a sua, Edward Elric."
Se a parte visual é um exemplo de trabalho bem feito, o mesmo não se pode dizer da adaptação do roteiro. Ok, o script até apresenta boas ideias em sua elaboração. Além de limitar o escopo do filme entre o início da história e a invasão do Quinto Laboratório (que corresponde a 13 capítulos do manga), os roteiristas optaram em eliminar uma série de personagens presentes neste espaço da trama como Scar, Major Armstrong, Vovô Rockbell, Sheska entre outros. Em teoria, essas adaptações deveriam permitir ao longa-metragem um fluxo narrativo tranquilo e espaço para desenvolver os personagens que restaram.

A questão é que na prática não foi que aconteceu.

Durante os dois primeiros atos, o ritmo em vários momentos é extremamente acelerado. A condução do enredo é tão apressada que muitos detalhes importantes acabam sendo explicados através de diálogos expositivos. Esse ritmo maluco seria totalmente compreensível se a produção contasse com pouco tempo de exposição (1 hora e 20 minutos), o que não é o caso já que o longa conta 135 minutos de duração (2 horas e 15 minutos).

A impressão que passa é que filme não sabe como usar o seu tempo de projeção nas tramas que deseja abordar. Um grande exemplo disso é o arco do Alquimista de Quimeras Shou Tucker (Yô Ôizumi). Embora seja uma grande ideia adaptar um dos momentos mais emblemáticas de FMA, o impacto aqui é extremamente diluído uma vez que é investido pouquíssimo tempo tanto no arco quanto em Nina (a filha de Tucker e PEÇA CHAVE desse subplot).

Mesmo com uma quantidade reduzida de personagens para trabalhar, o roteiro consegue a façanha de negligenciar boa parte dos que restaram. Riza Hawkeye (Misako Renbutsu) só tem a primeira de suas pouquíssimas falas a partir do terceiro ato. O Doutor Marco (Jun Kunimura) – que poderia ter um papel fundamental em futuras continuações – é morto momentos após aparecer. Já o trio de Homúnculos (Lust, Envy e Gluttony), bem...alguém sabe qual era a motivação deles no filme?

Entretanto, o caso mais gritante certamente é o de Winry (Tsubasa Honda). Apesar de ser a coadjuvante principal da história, o seu papel é ser APENAS uma companheira para os heróis. Além de não possuir um arco dentro do filme, a adaptação faz pouquíssimo uso do background da garota com os irmãos Elric (já que os três cresceram juntos e sofreram grandes perdas quase que simultaneamente). E, diga-se de passagem, nem o fato dela ser uma eximia mecânica é bem explorado.

E o que dizer desse casalsão, ein? S2
Apesar de todos os problemas, a história bem ou mal segue uma certa coerência...isso claro até chegar ao terceiro e derradeiro ato. Acontece que no terço final da trama, o roteiro deixa de se apoiar no texto original de Hiromu Arakawa e tenta caminhar com as “próprias pernas”.

E meus caros leitores, é aqui que a coisa desanda vez!

Para se ter ideia, no último ato há pérolas como Shou Tucker – cujo arco já havia sido encerrado - deixando de ser um personagem trágico para se transformar um vilão unidimensional SEM QUALQUER justificativa; o General Haruko (Fumiyo Kohinata), que era o tiozão legal do exercício, se revela como grande vilão da bagaça e o principal motivo dos homúnculos estarem atacando os mocinhos (um artifício do roteiro para explicar a presença dos vilões, mas novamente sem justificar as motivações do trio); a apresentação dos minions dos vilões: um exército de soldados homúnculos/zumbis criados através péssima computação gráfica da pedra filosofal; e o diálogo expositivo mais patético do filme, onde Lust (Yasuko Matsuyuki) explica para Edward e Roy (Dean Fujioka) o que eles precisam fazer para matá-la.

Poxa, mas não há nada que se salve no filme?

Embora infelizmente os defeitos acabem se destacando mais, a adaptação conta sim com acertos. E digo mais, acertos importantíssimos.

O maior deles certamente é a maneira como a relação fraternal entre Edward e Alphonse é apresentada. Além de apresentar os fantasmas de cada um - enquanto Ed tem uma obsessão em recuperar o corpo de seu irmão por ser sentir culpado por tudo, Al sofre por não poder não se sentir como um ser humano – o filme faz questão de mostrar o forte laço de união existente entre eles. Alias, uma grande sacada do roteiro foi trazer para a sua estrutura a questão das “memórias implantadas”. Esse pequeno plot não só serve para mostrar a união entre os dois como também gera melhor e mais dramática sequência da produção.

"Bom dia Sr. Edward, você conhece as vantagens do nosso novo plano de internet?"
Vale destacar que as atuações de Ryosuke Yamada e Atomu Mizuichi colaboram muito para que o público compre essa relação entre os irmãos. Yamada até deixa a desejar em alguns momentos do filme (especialmente quando abusa do overacting), mas quando precisa demonstrar preocupação com Alphonse ou interagir com ele, ele dá conta do recado. Quanto a Mizuichi, ainda que possua um tom de voz “mais adulto” que o de Rie Kugimiya (que fez o personagem nos animes e nos jogos), ele consegue ser tão expressivo em seu trabalho vocal quanto a atriz.

E já que estamos falando de atuações, é preciso dedicar um espaço para comentar sobre os grandes trabalhos feitos pelo trio Ryuta Sato, Yô Ôizumi e Yasuko Matsuyuki. Além de ter ficado assustadoramente parecido com o Maes Hughes original, Sato conseguiu imprimir em sua interpretação um carisma muito semelhante ao do militar. Em minha opinião, o melhor personagem do filme. Com relação a Ôizumi, embora não se pareça com o Tucker original e conte com menos tempo em tela que seus companheiros, o ator entregou uma interpretação sólida para o seu trágico Alquimista. E nem mesmo a forçada mudança de postura do seu papel no terceiro ato comprometeu o seu trabalho. Por fim, é valido ressaltar o esforço de Matsuyuki em transformar a sua Lust uma personagem relevante, mesmo com o roteiro praticamente trabalhando contra a atriz. Com uma vilã totalmente unidimensional em mãos, ela tirou leite de pedra ao oferecer algumas facetas para a homúnculo.

Nesse quesito, o grande destaque negativo é Captain Tsubasa Honda. A sua atuação até lembra a Winry dos animes, só que o excesso de overacting acaba tornando a personagem extremamente caricata. Ok, justiça seja feita, esse exagero na atuação é algo bastante comum na escola de atuação oriental. Possivelmente, a intenção tenha sido se aproximar do anime/manga, especialmente nos momentos de comédia (onde o exagero é mais frequente). A questão é que aqui faltou a mão do diretor Fumihiko Sori para dosar as caras e bocas, especialmente com Honda e Yamada.

Falando no diretor, todo o cuidado que ele teve com as atuações de Yamada e Mizuichi não se refletiu os garotos que fizeram as versões juvenis de Edward e Alphonse. Sério, como é que ele permitiu aquelas atuações robóticas dos garotos? Olha, já vi interpretações melhores em teatrinhos na minha época de colégio. :P

Além de talentosa, Yasuko Matsuyuki ficou linda de Lust.
Mesmo com alguns deslizes na direção de elenco, o trabalho de Fumihiko tem alguns pontos interessantes a se destacar. Tanto a sequência de ação em Liore quanto a discussão de Ed e Al no galpão são dois bons momentos que saíram através de sua coordenação. Outro ponto a se destacar são as tomadas áreas do interior da Itália, especialmente nos momentos onde há viagens de trem. Nesse caso, é preciso destacar também o trabalho de fotografia de Keiji Hashimoto, que aqui ressalta ainda mais a beleza das paisagens italianas.

Uma característica bem presente na narrativa do longa-metragem é o uso de flashbacks. Esse recurso é utilizado ora para explicar a origem dos irmãos Elric ora para amarrar pontas soltas pelo roteiro. Particularmente, só tenho uma coisa questão a reclamar disso: no primeiro flashback, acompanhamos as versões crianças de Ed e Al iniciando a sua tentativa fracassada de transmutação humana. Quando a trama retorna para mostrar as consequências do ato proibido em um novo flashback, a versão criança de Ed é substituída por Ryosuke Yamada. O filme até tenta contornar esse erro de continuidade absurdo colocando esse segundo como sendo um sonho de Edward..., mas convenhamos, ficou bizarro demais.

Considerando que não estamos falando de uma superprodução Hollywoodiana, os efeitos visuais da obra são até...digamos... competentes. Antes de escrever o artigo, cheguei a ler em algum lugar que a Warner investiu um bom dinheiro para aprimorar o CGI da produção. Se houve ou não esse investimento, o resultado aqui é de efeitos de vários níveis de qualidades.

Os efeitos CGI do longa ora parecem excelentes (a transmutação da lança de Edward, as chamas transmutadas por Mustang), ora são bem medianos (as quimeras de Tucker, as muralhas de rocha erguidas por transmutação) e ora são extremamente toscos (os monstros de pedra do Padre Cornello, os soldados homúnculos zumbis de pedra filosofal do Harry Potter). O Alphonse totalmente digital acaba variando muito entre a qualidade de efeitos excelentes e medianos. Mas de uma forma geral não compromete, mas também não impressiona.

"Winry: TRUUUUUCOOOO!!! // Alphonse: SEEEEEISSSSSS!!"
Para quem acompanhou a primeira versão do anime que foi exibido no finado Animax e na RedeTV! a Rede de T|V mais trash do Brasil, certamente ficará satisfeito com a presença de praticamente 80% do elenco do anime no Live Action. Marcelo Campos (Edward), Rodrigo Andreatto (Alphonse), Andressa Andreatto (Winry), Letícia Quinto (Riza), Vanessa Alves (Lust), Silvio Giraldi (Envy), César Marchetti (Glutony), Sílvia Suzy (Maria Ross) são algumas das vozes que estão presentes na versão dublada. As grandes ausências ficaram por conta de Hermes Baroli (Roy Mustang) e Luiz Laffey (Maes Hughes), sendo substituídos por Diego Lima e Glauco Marques. O filme foi dublado pelo Grupo Macias e contou com a direção da Úrsula Bezerra (que faz a voz do Goku criança).

Respondendo à pergunta do início do artigo, Fullmetal Alchemist não é um desastre de proporções bíblicas, mas também está muito longe da qualidade de uma grande adaptação. A produção até conta com acertos importantíssimos (como a relacionamento dos irmãos Elric), mas ela peca pelo excesso de falhas, especialmente em seu terceiro ato. Como uma continuação já foi confirmada, nos resta torcer para que a segunda parte não repita os erros dessa primeira.

Nota: 4,5

OBS:  O filme conta com uma cena pós-créditos.


Ficha Técnica

Fullmetal Alchemist (Hagane no Renkinjutsushi, 2017)
Ação | Aventura | Fantasia

Diretor: Fumihiko Sori.

Roteristas: Fumihiko Sori, Hiromu Arakawa e Takeshi Miyamoto.

Elenco: Ryosuke Yamada, Atomu Mizuichi, Tsubasa Honda, Dean Fujioka, Ryuta Sato, Yasuko Matsuyuki, Yô Ôizumi, Misako Renbutsu, Shinji Uchiyama, Kanata Hongô, Fumiyo Kohinata, Jun Kunimura, Natsuki Harada e Natsuna.




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